O décimo planeta
Ronaldo Rogério de Freitas Mourão (*)
Planeta X foi o termo usado para nomear um planeta hipotético transplutoniano. Tal designação é duplamente justificável, de um lado, por tratar-se de um planeta ainda desconhecido e, por outro lado, por constituir eventualmente o décimo planeta do sistema solar.
Desde o sucesso da descoberta de Netuno, em 23 de setembro de 1846, pelo astrônomo alemão Johann Galle (1812-1910), do Observatório de Berlim, com base nos cálculos do astrônomo e matemático francês Urbain Le Verrier (1811-1877), do Observatório de Paris, os astrônomos sonham em reproduzir esse acontecimento, considerado na época como um dos maiores triunfos da mecânica celeste: prever matematicamente a existência de um planeta nos confins do sistema solar.
Para provar a existência e determinar a posição de Netuno, Le Verrier estudou as perturbações - inexplicáveis para época - que afetavam a órbita de Urano.
Depois que o novo planeta foi descoberto e sua órbita bem determinada, verificou-se que Netuno não podia explicar completamente as perturbações do movimento de Urano, nem a sua trajetória se comportava exatamente como fora previsto.
Estas novas perturbações residuais serviram de estímulo à procura de um planeta mais distante. Dois astrônomos norte-americanos William Pickering (1858-1938) e Percival Lowell (1855-1916) determinaram, independentemente um do outro, a massa e a órbita desse objeto hipotético que foi designado por Lowell com o nome do planeta X. Apesar de meticulosas procuras fotográficas, não se encontrou nenhum sinal desse novo planeta até 18 de fevereiro de 1930, quando o astrônomo norte-americano Clyde Tombaugh (1906-1997) identificou o objeto tão procurado a menos de 6 graus da posição prevista. O planeta recebeu o nome de Plutão, deus do inferno na mitologia romana.
Como este novo planeta possuía um diâmetro muito reduzido e um brilho muito inferior ao da previsão, deduziu-se, antes da descoberta de seu satélite - Caronte - em 1978, que a massa de Plutão era muito fraca para explicar as perturbações registradas nos movimentos de Urano e Netuno. Em conseqüência desse fato, os astrônomos retornaram à caça a um planeta transplutoniano.
Em 1972, o astrônomo norte-americano Joseph Brady, da Universidade da Califórnia, ao estudar o movimento do cometa de Halley desde o século III a.C., detectou irregularidades em sua trajetória que foram atribuídas por Brady a um objeto transplutoniano - o planeta X - de massa estimada em 280 vezes a terrestre que gravitaria ao redor do Sol, a distância de 60 unidades astronômicas, (ou seja, em 9 bilhões de quilômetros), numa órbita quase circular inclinada de 120 graus em relação ao plano da eclíptica, e na qual levaria aproximadamente 464 anos terrestre para dar uma volta completa ao redor do Sol. Seu deslocamento orbital se efetuaria no sentido oposto ao dos outros planetas. Tal hipótese não foi aceita logo de início. Simulações realizadas atribuíram ao planeta Brady uma densidade e um albedo que sugeriram que o seu brilho seria vizinho ao de um astro de décima primeira magnitude. Ora, um objeto celeste com tal brilho raramente teria escapado aos astrônomos. De fato, se, por um lado, as pesquisas fotográficas, realizadas na Inglaterra e nos EUA, não permitiram que esse objeto fosse encontrado, por outro lado, os cálculos efetuados por duas equipes de norte-americanos do Observatório Naval e do Instituto Tecnológico da Califórnia demonstraram que o objeto de Brady era dinamicamente impossível de existir.
A partir de 1976, os astrônomos norte-americanos Thomas Van Fladern e Robert Harrington (1942-1993), ambos do Observatório Naval de Washington, sugeriram a existência de um planeta X que descrevesse uma órbita fortemente inclinada em relação a eclíptica e muito alongada: sua distância ao Sol iria de 7,5 a 15 bilhões de quilômetros, com um período de translação de 800 anos terrestres. Essa hipótese tinha a vantagem de explicar duas características do sistema planetário: em sua passagem pelo periélio, há muito tempo, este planeta teria invertido o movimento do satélite principal de Netuno - Tritão - que possui um movimento retrógrado, assim como teria retirado Plutão da família dos satélites de Netuno para colocá-lo na órbita atual. Mais tarde, Harrington propôs outra solução: um planeta de quatro vezes a massa terrestre que girasse ao redor do Sol a uma distância de 2,5 vezes a de Plutão. Apesar das pesquisas na constelação de Escorpião, onde deveria se encontrar esse planeta, com uma magnitude 14, até hoje nada foi identificado.
Na década de 1980, os astrônomos brasileiros Rodney S. Gomes (1954- ), do Observatório Nacional, e Sylvio Ferraz Mello (1936- ), do Instituto Astronômico e Geofísico de São Paulo, com base no movimento irregular de Urano e Netuno, sugeriram a hipótese da existência de vários planetas X.
Outro defensor do planeta X, o norte-americano Canley Powell, de Huntsville, Alabama, EUA, com base em seus cálculos sugeriu a existência de um astro muito análogo ao planeta Plutão, com uma massa de 0,35 vezes a terrestre. O objeto de Powell descreveria uma órbita de 204 anos terrestres, que estaria situada no interior da de Netuno. Powell foi o mais otimista de todos, ao propor para o planeta X o nome da esposa mitológica da Plutão: Proserpina.
Parece que o planeta X só existe na imaginação de alguns astrônomos. Realmente, as perturbações residuais do movimento de Urano e de Netuno, utilizadas pelos defensores do planeta X, parecem oriundas, pelo menos em seu valor essencial, dos erros sistemáticos que afetaram as observações do século XIX. Para comprovar esse argumento, convém assinalar que durante os seus vôos a sonda Voyager 2 encontrou os dois planetas em suas posições previstas pelos cálculos realizados no Laboratório de Propulsão a Jato. Para estabelecer as efemérides, ou seja, as localizações exatas de Urano e Netuno, os astrônomos desse laboratório da NASA tomaram o cuidado de não utilizar todas as observações anteriores a 1910.
As últimas descobertas, desde 1992, de vários asteróides, situados além de Netuno ou de Plutão, parecem confirmar a existência de um anel de pequenos planetas, como foi proposto, em 1951, pelo astrônomo norte-americano Gerard Kuiper (1905-1973). Esses asteróides devem estar distribuídos numa faixa situada a distância de 500 unidades astronômicas. A massa desse anel seria talvez suficiente para explicar as irregularidades - se elas realmente existem - registradas nas trajetórias de Urano e Netuno.
Publicado no Correio Braziliense, 10 de fevereiro de 1997
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